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Osho-san, Kozô to Kitsune

OSHO-SAN, KOZÔ TO KITSUNE

Há muitos e muitos anos, havia um templo budista próximo de uma aldeia rural no Japão. E o responsável por esse templo era um monge conhecido por gostar de beber saquê (vinho de arroz). Era um monge bonachão e muito querido pelos aldeões que diziam, em tom de brincadeira: “o chá do monge é o saquê”. Em suas andanças diárias visitando casas dos fiéis, invariavelmente o pessoal da aldeia lhe oferecia a sua bebida preferida.

Certa noite, depois de um bom papo e boas doses de saquê, o monge voltava para o templo. Trazia na mão seu jantar numa marmita que uma boa dona de casa havia lhe presenteado. Ele vinha alegre, com a cabeça nas nuvens e cantarolando. Já perto do templo, chegou em frente de uma jizô (estátua de pedra que existem a beira de estradas no Japão e que representa um anjo budista, protetor dos pobres e dos honestos).

– Boa noite, Jizô-san, disse o monge embriagado.
– Boa noite, monge – respondeu a estátua de pedra esticando o pescoço. E diante, do monge assustado, o pescoço da estátua foi esticando, esticando e o Jizô ficou cara a cara com monge. Este estava petrificado de susto, quando o Jizô abriu a boca e, com uma enorme língua, deu uma homérica lambida na cara do monge.
– Socorro, um Jizô mal-assombrado! – dizendo isso, o monge saiu correndo em disparada. Tal foi o susto, que sua embriaguez desapareceu por completo.
O monge chegou ofegante ao portão do templo, segurando firmemente sua marmita. Mas novamente ficou paralisado de susto. No portão, havia um enorme tigre, que lhe fez uma pergunta:

– Monge, qual você prefere: ser devorado ou dar-me essa marmita?
Sem pensar duas vezes, o monge largou a marmita e entrou correndo para dentro do templo. Kozô, o acólito que abriu a porta vendo o seu mestre esbaforido, perguntou:
– O que aconteceu de tão apavorante Osho-san?
– Foi terrível! Fui atacado duas vezes! Primeiro por um Jizô mal-assobrado, depois por um tigre gigantesco!

– Osho-san está embriagado ou foi enganado por truques ilusionistas de um tanuki ou de uma kitsune.
– Será que foi artimanha desses animais encantados? Pois bêbado não estou; se estava, curei-me no primeiro susto. Vamos dar uma olhada.
Quando o monge e o acólito abriram a porta do templo e olharam escadaria abaixo, não havia nenhum tigre. Lá estava uma raposa comendo tranqüilamente a marmita do monge.
– Fui enganado por artimanha de uma raposa – disse o monge indignado.
Ao ver o monge, a raposa, que já tinha devorado toda comida, levantou e foi embora, não sem antes dizer:

– Obrigado, Osho-san, a comida estava ótima!
– Fui enganado feito um tolo por uma raposa. Que vergonha! Enganado feito uma criancinha! Que exemplo vão dizer os fiéis do templo? Resolvi que nunca mais vou beber! – assim, o monge parou de beber e decidiu gastar seu tempo rezando dia e noite.
Os dias foram passando e Kozô percebeu que o monge já não era o mesmo. Ele rezava dia e noite, lamentando a Buda o fato de ter sido enganado pela raposa. Já não visitava mais os fiéis na aldeia, não bebia e havia perdido aquele ar de bondoso bonachão. Decididamente, havia se tornado um monge angustiado, fanático por rezas e lamentações.

Kozô concluiu que o único meio de fazer o monge voltar a ser o personagem carismático da aldeia, como era, tinha que ir a forra com a raposa. Dar um merecido castigo nesse animal encantado. Assim, numa noite, enquanto o monge rezava sem parar, o acólito deixou o templo carregando um cesto nas costas. Foi para o campo e começou a gritar:
– Osho-san! Osho-san! Onde está o senhor? Será que está embriagado e caído na beira da estrada?

Atraída pelos gritos, a mesma raposa deu as caras no capinzal e foi seguindo o menino entre as moitas de capim. Kozô percebeu que estava sendo seguido, mas, fingindo de nada saber, continuou gritando:

– Osho-san, Osho-san, vim buscar o senhor. Onde está, diga-me, por favor!
– Eu estou aqui Kozô! – respondeu uma voz do meio do capinzal.
E surgiu o monge alisando sua barba branca e foi aproximando de Kozô. O menino, muito esperto, olhou a sombra projetada pela lua cheia e viu que o monge tinha rabo. Ficou com vontade de rir, mas segurou a gargalhada e continuou com a farsa…

Depois do episódio, Kozô, o acólito do templo, resolveu “dar o troco” ao animal encantado e fazer com que o monge volte a ser o velhinho carismático de sempre, já que a armadilha da raposa o tornou amargo e fanático por rezas e lamentações. Assim, ele planejou atrair a raposa disfarçada de Osho-san e levá-la ao templo dentro de um cesto…

– Osho-san, como o senhor estava demorando, fiquei preocupado e vim buscá-lo. Mas estou estranhando, pois o senhor não parece embriagado… Então, por que demorou tanto?
– Ah! Acho que bebi demais… Eu estou bêbado – disse o falso monge, começando a cambalear.
– Realmente, Osho-san, mas, se o senhor continuar trançando as pernas, é bem capaz de ser enganado por aquela raposa outra vez. Acho melhor o senhor ficar escondido descansando neste cesto, que vou lhe carregar até o templo, onde um jantar delicioso lhe espera.
A raposa viu ali uma ótima oportunidade de enganar o Kozô e comer o jantar do monge. Assim, sem vacilar, entrou no cesto e ficou agachada.

– Abaixe a cabeça, Osho-san, o senhor é muito grande para o cesto, vou pôr algumas folhas para poder escondê-lo devidamente. Assim dizendo, Kozô jogou por cima da raposa vários galhos com agulha de pinheiro.
– Agora está bem, o senhor pode tirar uma soneca enquanto voltamos.

Kozô pôs o cesto nas costas e foi em direção do templo. Se fosse realmente o monge que estivesse no cesto, o acólito não ia agüentar o peso, porém a raposa é bem mais leve que uma pessoa. No caminho ao templo, balançando no centro do cesto, as agulhas de pinho picaram tanto a raposa, que ela, incomodada, acabou voltando a sua forma natural.
Assim que chegou ao templo, Kozô fez sinais com a mão, indicando o cesto. O monge logo compreendeu que ali estava a raposa. Então, Osho-san tratou de fechar as portas e as janelas, enquanto Kozô depositava o cesto ao chão.

– Hoje vou me vingar da raposa malvada que pregou peças em mim – disse o monge, pronto para castigar a raposa.

Num salto rápido, a raposa, descobrindo que fora enganada, pulou para fora do cesto e desapareceu num passe de mágica. Os dois procuraram por toda parte, mas não a encontraram. Nisso, Kozô observou que havia duas imagens de Buda iguais no salão principal. A raposa havia se disfarçado de imagem de Buda para despistar o monge e o acólito. O difícil era distinguir qual a verdadeira e qual a falsa. Ficaram de olho para ver se aparecia o rabo num delas, mas nada aconteceu. Então, Kozô teve uma idéia e disse:

– Osho-san, por que será que a imagem de Buda balança a cabeça sempre que o senhor reza?
– Não sei explicar, mas sei que está na hora de rezar – respondeu o monge, entendendo a estratégia de Kozô.

Assim que o monge começou a rezar, uma das estátuas de Buda começou a balançar a cabeça, acompanhado o ritmo da oração.
Imediatamente, Kozô passou uma corda em torno da estátua, que, descoberta, perdeu o encanto e voltou à forma de raposa. Reconhecendo que havia sido derrotada, a raposa mostrou-se arrependida por ter exagerado nas travessuras com as pessoas da localidade e pediu perdão, jurando que não mais pregaria peças em ninguém.
O monge e o acólito riram e perdoaram a raposa. Ela foi embora agradecendo e fazendo reverência várias vezes.

O monge voltou, então, a ser o mesmo bonachão bondoso que era. Voltou a beber bons goles de saquê durante as visitas diárias a casas de fiéis budistas. Conta a lenda que, a partir desse dia, toda vez que o monge voltava para o templo depois do entardecer, a raposa aparecia transformada em uma bela moça e o acompanhava até que chegasse ao templo são e salvo. Ou será que o monge chegava bêbado e imaginava essa agradável companhia?