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Tanokyu e a Serpente Gigante

TANOKYU E A SERPENTE GIGANTE

Há muitos e muitos anos, havia, na capital do Japão, um ator de teatro chamado Tanokyu. Certa ocasião, foi procurado por um vendedor viajante, que trouxe a notícia de que sua mãe estava com grave doença. Tanokyu teve então que largar tudo e voltar para casa, que ficava numa aldeia distante. Caminhou por vários dias até chegar numa casa de chá no sopé de uma montanha. Nesse momento, como já começava a anoitecer, o velho proprietário da casa deu um conselho ao jovem ator.

– Não cruze a montanha à noite, pois existe uma enorme serpente encantada que vive devorando as pessoas que por lá passam.

Embora ciente do perigo, Tanokyu, resolveu cruzar a montanha, pois estava muito preocupado com a saúde de sua mãe. No íntimo, ele sempre se culpava por ter deixado sua mãe sozinha e ter ido para a capital atrás de seu sonho de artista. Agora, estava preocupadíssimo, pois lhe informaram que a doença dela poderia ser fatal. Ele sabia que se sua mãe viesse a falecer sozinha, na casinha da roça, ele jamais se perdoaria. Se ele tivesse dinheiro para levá-la à capital, tudo seria diferente.

Enquanto refletia sobre sua vida e a da sua mãe, com passos apressados foi atravessando o pequeno caminho que cortava a montanha. No meio da escuridão, percebeu que algo se movia. O ator parou tremendo de medo. O vulto veio em sua direção até que, pela luz do luar filtrada entre as árvores, pôde ver que se tratava de um homem muito grande. Um yamabushi, asceta mago da montanha, praticante da seita Shuguendô.

– Quem é você? – perguntou o yamabushi.

– Ta…Ta…Tanokyu – respondeu o ator, tremendo de medo.

– Tanuki?! – perguntou o homem grande. Ele havia confundido Tanokyu com Tanuki (texugo).

O tamanho avantajado do religioso era assustador. Tanokyu nem tentou corrigir a confusão, pois, passando por um texugo encantado, talvez estivesse mais seguro. Afinal, aquele brutamonte poderia ser um bandido disfarçado de religioso.

– Nossa! Sua transformação em forma humana está perfeita! – disse o yamabushi – vocês, tanukis, são famosos por praticar ilusionismo e enganar os humanos. Gostaria que você desse uma demonstração de seu poder de transformação na minha frente.

Tanokyu pensou que estava perdido, mas lembrou que, como ator, em cena fazia papel feminino e, assim, tirou umas roupas de seus embrulhos e, num piscar de olhos, transformou-se numa jovem mulher.

O grandalhão gostou do truque e aplaudiu. Em seguida, disse a Tanokyu, que ele, por sua vez, mostraria a sua forma original tirando o disfarce de yamabushi. Assim, despindo seus trajes, surgiu uma enorme serpente. Tanokyu quase desmaiou de susto. Vendo Tanukyu tremendo de medo, a serpente disse:

– Não precisa ficar receoso, eu não como texugos, só seres humanos.

Passado o susto inicial, Tanokyu começou a fumar para relaxar um pouco. Precisava mostrar-se calmo diante da grande serpente. Porém, quem começou a tremer desta vez foi a serpente.

– Pare de fumar, não suporto o cheiro da fumaça de fumo. Me sinto mal, tenho verdadeiro pavor de cigarro. Porém, jure que não vai contar este meu segredo para os humanos da aldeia. Se você me trair, vou te castigar devidamente.

Após pensar um pouco, o ator disse:

– Já que você confidenciou seu segredo, vou contar o meu. Tenho verdadeiro pavor de dinheiro. Não posso ver dinheiro que me sinto mal e fico doente.

Assim dizendo, continuou a caminhada e atravessou a montanha. Na manhã seguinte, já estava na aldeia onde morava sua mãe. Tanokyu reuniu o povo da aldeia e contou o segredo da apavorante serpente que devorava o povo daquele vilarejo. As pessoas aprenderam que podiam atravessar a montanha sem receio, desde que estivessem fumando. Desse dia em diante, a serpente nunca mais atacou ninguém no caminho que cortava a montanha.

A grande serpente, então zangada, resolveu vingar-se de Tanokyu. Numa noite, chegou sorrateiramente perto da casa da mãe dele e despejou um monte de dinheiro para apavorar o ator.

Tanokyu tornou-se o homem mais rico da aldeia. Com o dinheiro, contratou os melhores médicos da região, e sua mãe ficou completamente curada. Neste mesmo ano, mudou-se com sua mãe para capital e tornou-se um ator de sucesso. Conta a lenda urbana de Edo (antiga Tóquio) que toda vez que Tanokyu se apresentava, havia, na primeira fila da platéia, um velhinha que não se cansava de aplaudir o filho.

No pequeno vilarejo, as pessoas eram muito unidas e todos trabalhavam felizes e com grande entusiasmo. Os bichos-da-seda alimentavam-se das folhas de amoreiras cortadas e colocadas nos barracões pelos trabalhadores, fazendo seus casulos nos galhos.

Quando terminavam os trabalhos de colheita dos casulos, os trabalhadores voltavam para suas províncias de origem e a aldeia voltava a ser pacata e até solitária.

A família de sericultores que acolheram temporariamente a jovem Kinu, percebeu que, em todos os anos em que ela trabalhou na cultura da seda em suas terras, os casulos eram maiores e mais brancos, sendo considerados pelo comprador da produção melhores até que os da China.

No final da temporada daquele ano, os sericultores fizeram grandiosa festa em agradecimento a boa colheita e serviram um delicioso banquete. Durante a festividade, tentaram descobrir de que região do Japão Kinu teria vindo, mas foi em vão. Ela nada contou, esquivando-se com respostas educadas.

Assim, ninguém ficou sabendo de onde ela veio, sobre sua família, nem para onde retornaria após a temporada de trabalho.

Na hora da partida, a família que a acolhera naquele ano pediu encarecidamente que Kinu voltasse no ano seguinte. Ela, educada, despediu-se de todos e deixou a aldeia por uma estrada estreita. Para assegurar que ela voltaria na próxima temporada, alguns aldeões a seguiram sorrateiramente no meio da mata, na tentativa de descobrir sobre sua origem.

Porém, poucas horas depois de sair da aldeia, ela desapareceu de repente. O local onde ela sumira, era na beira de um lago. Os aldeões vasculharam toda margem, mas nada encontraram. Um dos rapazes observou que no lago havia um ovo branco de serpente, fora isso, nada havia de diferente.
Na primavera seguinte, ela não apareceu, apesar de todos a esperarem ansiosamente. Alguns membros daquela família de sericultores viram várias vezes uma serpente branca andando na plantação de amora e próxima ao barracão da seda. Apesar da jovem Kinu não ter aparecido, mais uma vez os casulos colhidos naquele ano foram brancos e bonitos.

A família concluiu que aquela serpente branca que eles viram rondando a região, era Kinu. Misteriosamente transformada em serpente, ela estava protegendo os bichos-da-seda contra os ratos.

Baseado nessa crença, o povo da aldeia esculpiu uma estatueta com a forma da bela Kinu e a colocaram durante a primavera em um santuário Shintô, para que a partir de então, fosse reverenciada como a “deusa da seda”, protegendo sempre suas colheitas.

Após a temporada da seda, os aldeões, agradecidos, levaram a estatueta até um lago e a colocaram num pequeno barco, mandando-a de volta. Ainda hoje, em muitas aldeias de sericultores no Japão, esse ritual é praticado em reverência a “Kinuhime”, a zelosa deusa da seda.